Alice


Ali
ali
se

se alice
ali se visse
quando alice viu
e não disse

se ali
ali se dissesse
quanta palavra 
veio e não desce

ali
bem ali
dentro da alice
só alice
com alice
ali se parece

(Paulo Leminski)

Hoje não tem poesia


Mas tem café, bolachas
Pão com manteiga.
Uma receita de bolo
Que era de minha avó -
Hoje não tem poesia,
Sobre a mesa, geléia, torradas macias
Toalha de antigo bordado encontra
O passado sobre a cadeira vazia.

(Tonho França)

Poesia XX

Foto: Carolina Lafetá
 
Teu nome é Nada.
Um sonhar o Universo
no pensamento do homem:
diante do eterno, nada.
 Morte, teu nome.
Um quase chegar perto.
Um pouco mais (me dizem)
e trias o Todo no teu gesto.
Um pouco mais, tu
o terias visto.
Teu nome é Nada.
Haste, pata. Sem ponta, sem ronda.
Um pensar duas palavras diante da Graça:
Terias tido.

(Hilda Hilst)

Das Cariocas!

Foto: Nina Papiorek

Viagem interior

Amanheci com vontade de fazer poesia,
riscando imensidões em uma linda manhã
e esse sol, que invade minha janela,
transforma sua luminosidade em rimas douradas.

Desse modo, hoje, meu tempo é de poetar...

Vi mares de águas mais azuis que o seu olhar
chorei ao chegar em Jerusalém, e ao sair de lá também
fui à cidadela de quem fez Tróia cair
e naveguei o rio que foi dádiva dos deuses
em Noronha, nadei com o mais meigo dos golfinhos.

Perplexa, vi o Templo que parecia sustentar meu mundo,
submergir no mar bravio e profundo...

Sou todos os lugares por que passei,
sou também o homem que dorme e que acorda comigo,
sou o anjo que me guarda e a orquídea que insiste em vingar,
sou Caymmi, as dores da Florbela e "Lispectoro" sempre que posso.
 
E ultimamente venho sentindo palpitações...
 
Karla Júlia
 
A Karla escreve no Campo de Orquídeas, e já é bastante conhecida aqui no Liberdade Perfeita!
 
Recentemente lançou uma antologia de poemas da qual participa, "Poemas à flor da Pele", da Editora Somar.
 
 
 
 

Saramago!

Foto: Strudl.

Passado, Presente, Futuro

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
rã fugida do charco, que saltou,
e no salto que deu, quanto podia,
o ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
um rosto recomposto antes do fim,
um canto de batráquio, mesmo rouco,
uma vida que corra assim-assim.

(José Saramago)

 
 
Química

Sublimemos, amor. Assim as flores
no jardim não morreram se o perfume
no cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
não caldeiam instintos sem o lume
nem o secreto aroma que rescende.



Poesia em língua árabe



Espelho do corpo do outono

Você já viu a mulher
como carrega o corpo do outono?
Primeiro ela mistura o rosto e a calçada
depois tece um vestido com os fios 
da chuva
as pessoas
na cinza da rua
são brasa apagada.

(Adonis)

Esta é a primeira seleta de poemas de Adonis publicada no Brasil, traduzida diretamente do original árabe. O poeta esteve recentemente na FLIP apresentando seus poemas.

Tudo que vejo


Talvez porque faço verso, falo, escrevo
digo poemas, letras de sabão.
Todos já fizeram, muitos por mérito
Manoel, Ferreira, Bandeira, Drumão.

E eis que também sou nordestino, sou
coisa dessa pátria, do sol, do sertão.
Não porque sou poeta, nem porque presto!
Só me vejo, infesto, e tento, por que não?

Essa voz que fala dentro do certo, apetrecho
sela, chapéu de coro, cabresto e gibão
fazendo verso para passar o tempo
caminho, cavalo, vento e morão.

É o clima do mundo que vejo
também já dancei o forró na noite de São João.
Já fui moço, menino, menino-homem
já tive moça, donzela, menina de família na mão.

E me rendo ao sertanejo de cara riscada
sol, terno, enxada, peleja, labuta e cachaça
me rendo ao sertanejo dando risada
lhe devo tudo povo, meu corpo, curvo em graça.

Meu sertão.

Viriato Sampaio
O Viriato escreve no Portão do Descanso


Foto: google imagens

Corpo

Arte: Victoria Knobloch

Adorei teu corpo,
tombei de joelhos.
Encostei a fronte,
 
o rosto, em teu ventre.
Senti o gosto acre
de santidade
do corpo nu.
Absorvi a existência,
vi todas as coisas numa coisa só,
compreendi tudo desde o princípio do Mundo.

(Dante Milano)

E por falar em FLIP...


Adega do sono - poema 5

Dividias os gomos da fruta
em aposentos da casa.
A cortina do sumo
leveda o sol levantado.
O zodíaco do molde
supre o gérmen do quarto.
E o bafio estala
a lareira das esferas
na sala de estar
da semente.


Domingo

As garças capinavam
as águas.

A saliva das aves

movia o motor
do riacho.
(Fabrício Carpinejar)


Fabrício Carpinejar participará da FLIP este ano!

O tempo


O tempo cria um tempo
Logo abandonado pelo tempo,
Arma e desarma o braço do destino.
A metade de um tempo espera num mar sem praias,
Coalhado de cadáveres de momentos ainda azuis.
O que flui do tempo entorna os pássaros,
Atravessa a pedra e levanta os monumentos
Onde se desenrola - o tempo espreitando - a ópera do espaço.
Os botões da farda do tempo
São contados - não pelo tempo.
O relojoeiro cercado de relógios
Pergunta que horas são.

O tempo passeia a música e restaura-se.
O tempo desafia a pátina dos espíritos,
Transfere o heroísmo dos heróis obsoletos,
Divulga o que nós não fomos em tempo algum.

Murilo Mendes