Certezas

Arte: Judith Clay
 
Não sei os mistérios, as mãos, as vidraças;
não sei a hora nem o dia do amor
que em vida é pressa, é vago, é frágil.
Não sei as heranças - o que existe
depois da última hora
do último beijo e da última espera
atrás da porta.
Não sei os meus passos e nem as esquinas.
Não sei se o que encaro é pura rotina
ou etapa que se vence, por mero acaso.
Não sei as vidas que me cercam
e que aguardam atentas, meu gesto
minhas palavras estéreis e amenas
- como algumas mulheres
que cortam a paisagem sem deixar marca.

Não sei o certo e o errado
o que fazer diante do impasse
na dúvida, não sei o resto
na certeza, não sei a meta.
Só sei mesmo que todo tempo é curto
e que meu chão é este:
feito de pedra e pluma
em barro e nuvem e irremediavelmente, meu.

(Eolo Yberê Líbera)



É preciso não esquecer

Arte: Christine Ellger

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta, nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso é esquecer o dia
carregado de atos,
a ideia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco,
pois o resto não nos pertence.

(Cecília Meireles)

Homem escrevendo

Ilustração: Oliver Ray

Um homem escreve sob o sol da tarde.
O que ele escreve?
A mão encardida que mancha a folha branca,
o que ela escreve?
Um Homem, dentre tantos, que escreve o destino dos homens,
o que ele escreve?
Em versos, o caminho da mulher perfumada do outro lado da calçada.
Em prosa, o trajeto trôpego do homem sentado sob o sol.
O que ele escreve?
Não escreve. Pensa em escrever.
Ensaia. A caneta corre.
Não escreve. Pensa, se soubesse...
Um homem sentado sob o sol da tarde.
O que ele pensa?
Pensa que, se talvez escrevesse...
Tudo poderia ser diferente.
O Homem que escreve o destino dos homens,
o que ele escreve?
Escreve tanta coisa, tanta história.
O homem sentado sob o sol pensa:
"Quando Ele vai escrever a minha história?"

Priscila Mondschein

O resto é silêncio



E então ficamos os dois em silêncio, tão quietos
como dois pássaros na sombra, recolhidos
ao mesmo ninho,
como dois caminhos na noite, dois caminhos
que se juntam
num mesmo caminho...

Nada há mais a dizer, depois que as próprias mãos
silenciaram seus caminhos...
Estamos um no outro
como se estivéssemos sozinhos...

(J.G. de Araújo Jorge)