Eu mesma

Foto: Ana Dias

Ela veste o brilho exato

corre entre as flores

planta lírios

ela tem segredos

faz angústia

traz sentido

ela tem as mãos vazias

uma saia

dependurada

entre as roupas

também esconde o seu segredo

ela foi

ninguém a viu

entoou

ninguém ouviu

ela, por várias razões,

saltou num mundo tão diferente

do nosso pobre, mundo cão.

(Susana Martins)

Última postagem antes das férias!
Vejo vocês em setembro ;)



Leminski


Foto: Paulo Madeira

Esse súbito não ter
esse estúpido querer
que me leva a duvidar
quando eu devia crer
esse sentir-se cair
quando não existe lugar
aonde se possa ir
esse pegar ou largar
essa poesia vulgar
que não me deixa mentir.

(Paulo Leminski)


Esses versos combinam perfeitamente com meu momento, essa poesia vulgar, que insiste em dizer sempre a verdade...

Quintana, novamente!


Estou sentado sobre a minha mala

no velho bergantim desmantelado...

Quanto tempo, meu Deus, malbaratado

em tanta inútil, misteriosa escala!


Joguei a minha bússola quebrada

às águas fundas... E afinal sem norte,

como o velho Sindbad de alma cansada

eu nada mais desejo, nem a morte...


Delícia de ficar deitado ao fundo

do barco, a vos olhar, velas paradas!

Se em toda parte é sempre o Fim do Mundo.


Pra que partir? Sempre se chega, enfim...

Pra que seguir empós das alvoradas

se, por si mesmas, elas vêm a mim?

(Mário Quintana)

Quintana sempre merece espaço com suas lindas poesias!



Barulho

Todo poema é feito de ar

apenas:

a mão do poeta

não rasga a madeira

não fere

o metal

a pedra

não tinge de azul

os dedos

quando escreve manhã

ou brisa

ou blusa

de mulher.

O poema

é sem matéria palpável

tudo

o que há nele

é barulho

quando rumoreja

ao sopro da leitura.


(Ferreira Gullar)