Tudo que vejo


Talvez porque faço verso, falo, escrevo
digo poemas, letras de sabão.
Todos já fizeram, muitos por mérito
Manoel, Ferreira, Bandeira, Drumão.

E eis que também sou nordestino, sou
coisa dessa pátria, do sol, do sertão.
Não porque sou poeta, nem porque presto!
Só me vejo, infesto, e tento, por que não?

Essa voz que fala dentro do certo, apetrecho
sela, chapéu de coro, cabresto e gibão
fazendo verso para passar o tempo
caminho, cavalo, vento e morão.

É o clima do mundo que vejo
também já dancei o forró na noite de São João.
Já fui moço, menino, menino-homem
já tive moça, donzela, menina de família na mão.

E me rendo ao sertanejo de cara riscada
sol, terno, enxada, peleja, labuta e cachaça
me rendo ao sertanejo dando risada
lhe devo tudo povo, meu corpo, curvo em graça.

Meu sertão.

Viriato Sampaio
O Viriato escreve no Portão do Descanso


Foto: google imagens

Corpo

Arte: Victoria Knobloch

Adorei teu corpo,
tombei de joelhos.
Encostei a fronte,
 
o rosto, em teu ventre.
Senti o gosto acre
de santidade
do corpo nu.
Absorvi a existência,
vi todas as coisas numa coisa só,
compreendi tudo desde o princípio do Mundo.

(Dante Milano)

E por falar em FLIP...


Adega do sono - poema 5

Dividias os gomos da fruta
em aposentos da casa.
A cortina do sumo
leveda o sol levantado.
O zodíaco do molde
supre o gérmen do quarto.
E o bafio estala
a lareira das esferas
na sala de estar
da semente.


Domingo

As garças capinavam
as águas.

A saliva das aves

movia o motor
do riacho.
(Fabrício Carpinejar)


Fabrício Carpinejar participará da FLIP este ano!

O tempo


O tempo cria um tempo
Logo abandonado pelo tempo,
Arma e desarma o braço do destino.
A metade de um tempo espera num mar sem praias,
Coalhado de cadáveres de momentos ainda azuis.
O que flui do tempo entorna os pássaros,
Atravessa a pedra e levanta os monumentos
Onde se desenrola - o tempo espreitando - a ópera do espaço.
Os botões da farda do tempo
São contados - não pelo tempo.
O relojoeiro cercado de relógios
Pergunta que horas são.

O tempo passeia a música e restaura-se.
O tempo desafia a pátina dos espíritos,
Transfere o heroísmo dos heróis obsoletos,
Divulga o que nós não fomos em tempo algum.

Murilo Mendes


Intervalo (II)

Foto: Uwe Zimmermann

Dai-me um dia branco, um mar de beladona
Um movimento
Inteiro, unido, adormecido
Como um só momento.

Eu quero caminhar como quem dorme
Entre países sem nome que flutuam.

Imagens tão mudas
Que ao olhá-las me pareça
Que fechei os olhos.

Um dia em que se possa não saber.

 
(Sophia de Mello Andressen)