Dois Irmãos

Foto maravilhosa de Pedro Meyer


Chegando em casa

Chegando em casa
com a alma amarfanhada
e escura
das refregas burocráticas
leio sobre a mesa
um bilhete que dizia:

- hoje 22 de agosto de 1994
meu marido perdeu, deste terraço:

mais um pôr de sol no Dois Irmãos
o canto de um bem-te-vi
e uma orquídea que entardecia
sobre o mar.

(Affonso Romano de Sant'Anna)
 

Adélia Prado


Poema começado no fim


Um corpo quer outro corpo.

Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.

(Adélia Prado)

A um passarinho

Foto: Daniela Beyer


Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.

Deixa-te de histórias
Some-te daqui!

(Vinicius de Moraes)



PS:  I would like to apologize to Daniela Beyer. The photo was taken from google images, and I did not knew who was the author of it!

A flor do maracujá

Arte: Susanne Tessari

Pelas rosas, pelos lírios,
pelas abelhas, sinhá,
pelas notas mais chorosas
do canto do Sabiá,
pelo cálice de angústias
da flor do maracujá!
Pelo jasmim, pelo goivo,
pelo agreste manacá,
pelas gotas de sereno
nas folhas do gravatá,
pela coroa de espinhos
da flor do maracujá.

Pelas tranças da mãe-d'água
que junto da fonte está,
pelos colibris que brincam
nas alvas plumas do ubá,
pelos cravos desenhados
na flor do maracujá.

Pelas azuis borboletas
que descem do Panamá, 
pelos tesouros ocultos
nas minas do Sincorá,
pelas chagas roxeadas
da flor do maracujá!

Pelo mar, pelo deserto,
pelas montanhas, sinhá!
Pelas florestas imensas
que falam de Jeová!
Pela lança ensanguentado
da flor do maracujá!
Por tudo que o céu revela!
Por tudo que a terra dá
eu te juro minh'alma
de tua alma escrava está!!
Guarda contigo este emblema
da flor do maracujá!

Não se enojem teus ouvidos
de tantas rimas em - a -
mas ouve meus juramentos,
meus cantos ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
da flor do maracujá!

(Fagundes Varela)

Amores e almas


Do poema platônico
 

eu e ele brincamos
de poesia
porque não podemos
brincar
de amor.
(amor exige corpo.
poesia é menos exigente
e se contenta só
com alma.)

Talita Prates

Noite do morro


Lá do alto do morro
as luzes das casas brilham
e iluminam
as muitas vielas que compõem o todo.
É ainda do alto do morro
que o turista, deslumbrado,
aponta e olha, todo admirado
como todos aqueles pontos de luz
cada um com seu destino, sua cruz,
mais parecem estrelas
enchendo a noite carioca de beleza.
E antes que o sol acenda,
que a luz do dia tudo esclareça
e a rotina do morro volte à vida
a paisagem noturna da favela
permanece imortalizada na fotografia
que a menina, de dentro do ônibus, admira,
como se carregasse a pintura mais linda
feita com aquarela.

Priscila Mondschein

Um poema meu para encerrar as postagens do ano.
Até 2012!
Boas Festas...

Singelezas

Nesgas

a casa cravada no alto da serra
janelas e portas abertas ao vento

paredes caiadas barulho de água
arrulhos sibilos orvalhos gorjeios

o verde arrepia-se no pasto nas galhas
há cheiro de mato café e pão quente

as gentes são simples 

(Líria Porto)




Poeminha

as meninas dos olhos
pequeninas buliçosas
saltam do ramo de rosas
para o azul das manhãs

como não temem nada
ficam dependuradas
nos raios de sol

(Líria Porto)