Sobre formas



Queria transformar o vento.
Dar ao vento uma forma concreta e apta a foto.
Eu precisava pelo menos de enxergar uma parte física do vento: uma costela, o olho...
Mas a forma do vento me fugia que nem as formas de uma voz.
Quando se disse que o vento empurrava a canoa do índio para o barranco
imaginei o vento pintado de urucum a empurrar a canoa do índio para o barranco.
Mas essa imagem me pareceu imprecisa ainda.
Estava quase a desistir quando me lembrei do menino montado no cavalo do vento que lera em Shakespeare.
Imaginei as crinas soltas do vento a disparar pelos prados com o menino.
Fotografei aquele vento de crinas soltas.


(Manoel de Barros)


Acho que concordo com a fotografia de Manoel...


Elegia


Liberdade,
sem ti nada mais sei.

Compreendi o mundo
em ti, sutil
compêndio.

Amei muito antes
de me amares,
entre surtos e sulcos.

Amei
e só a morte
de perder-te
me faz viver
multiplicando
auroras, meses.

E sou tão doido
que o riso inútil
percorri
de me perder, perdendo-te,
perdido em mim.

(Carlos Nejar)

Meninas



Cabelo solto,
salto alto,
maquiagem,
lá vai o menino dono de seus versos.
Ela senta,
sozinha,
observa,
anota,
ninguém nota que sonha acordada.
Menina de olhos atentos
lá vai o menino, e nem nota o seu afeto.
Ele passa,
correndo,
menino,
travesso,
menina, ajeita essa saia
levanta o olhar,
e sorri como uma estrela.
Os dias passam,
ligeiros,
ensolarados,
intensos,
lá vem a menina de compasso apertado.
Ninguém nota que possui um castelo...
Menina, que queres com esse teu gingado?
"Quero aquele menino, preso dentro de meus versos."

(Priscila Mondschein)

1984


1984: Ano 1, Era de Orwell

enquanto os mortais
aceleram urânio
a borboleta
por um dia imortal
elabora seu vôo ciclâmen

v

uma dança
de espadas

esta
escrita
delirante

lâminas cursivas

a lua
entre dois
dragões

com uma haste
de bambu
passar
por entre lianas
sem desenredá-las.

(Haroldo de Campos)

Feliz Aniversário!


Novembro: Escorpiões vagamundos
Ao meu amigo e poeta JouElam

Um brinde à nossa estrada
Terras... a separar, esse mar... Tanto mar!
Um brinde às nossas cores misturadas
ao vinho e a cachaça
a todas as mulheres amadas
todas as velas ao vento, todos os cânticos.
Todos os Chicos Buarques, os Zecas Afonsos
todos os Pessoas, Nerudas... Os poetas do meio da rua
Todos que fizeram e fazem da arte, o sonho da própria arte.
Os textos escritos em bares, os versos tingidos de sonhos
aos violões, guitarras, forjados de algum amieiro
esculpidos em sonora madeira
qual o corpo da mulher desejada,
no corpo das belas loureiras.
Nas farras varando as madrugadas
Em algum cabaré decadente no Rio, Lisboa
no Porto, nos becos de Belo Horizonte.
Nas esquinas, em serestas com lua cheia,
no palco em qualquer canto...
Um brinde ao dia 18, ao dia 20
novembro de anos deixados para trás.
Aportar um dia em Lisboa
na mala algumas quimeras, muitos desejos
Bairro Alto, Chiado, Baixa... O abraço dos amigos, Madredeus.
Os copos embriagados de vinho, vozes em cantoria, resto de noite.
N'alguma taverna um fado dolente solto no ar...
Um brinde!
Ao novembro dos escorpiões vagamundos.

(Yon Rique)

18 de novembro, aniversário do querido amigo Yon... teve festa no céu!
Fica aqui, como homenagem, o poema que ele fez para um amigo!!!



Pequena reflexão sobre olhos castanho-esverdeados


Foto: José Manuel Cunha


Eles aparecem numa tarde ensolarada qualquer, quando você menos espera. Brilham, fixam-se, pequenos, incertos. E quando você cai nesse abismo de profundidade furta-cor, misturam-se os tons, confundem-se as cores, até que não haja mais distinção entre as tintas que os colorem e minhas pequenas mãos que tentam alcançá-los.

(Priscila Mondschein)



Anexo IV

"Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois, dificílimo contar: olhei para você por uns instantes, tais momentos são o meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de estado agudo de felicidade.
(Clarice Lispector - A paixão segundo G.H.)


Sobre poetas



"Seria um poeta? Estaria escrevendo versos? 'Diga-me', queria pedir-lhe, 'todas as coisas do mundo inteiro', porque suas idéias acerca dos poetas e da poesia eram as mais absurdas e extravagantes. Como, porém, falar com um homem que não nos vê, que está vendo ogros, sátiros ou talvez o fundo do mar?"


(Orlando, Virgínia Woolf)




Anexo III


"Quando surge uma idéia, vou para a rua. Tenho prazer em conceber o poema no meio das pessoas que passam e nem suspeitam que ali, naquela hora ele está nascendo."

(Ferreira Gullar)