Bukowski

Foto: José Carlos Pires Gonçalves

Confissão

esperando pela morte
como um gato
que vai pular 
na cama

sinto muita pena de
minha mulher

ela vai ver este
corpo 
rijo e
branco

vai sacudi-lo e
talvez
sacudi-lo de novo:

"Henry!"

e Henry não vai
responder.

não é minha morte que me preocupa
é minha mulher
deixada sozinha com este monte
de coisa 
nenhuma.

no entanto,
eu quero que ela 
saiba
que dormir 
todas as noites 
a seu lado

e mesmo as 
discussões mais banais
eram coisas
realmente esplêndidas

e as palavras
difíceis
que sempre tive medo de
dizer
podem agora
ser ditas:

eu te amo.

(Charles Bukowski - tradução de Jorge Wanderley)


Anatomia


Anatomia

É triste ver-se o homem por dentro:
tudo arrumado, cerrado, dobrado
como objetos num armário.

A alma, não.

É triste ver-se o mapa das veias,
e esse pequeno mar que faz trabalhar seus rios
como por obscuras aldeias
indo e vindo, a carregar vida, estranhos escravos.

Mas a alma?

É triste ver-se a elétrica floresta
dos nervos: para estrelas de olhos e lágrimas,
para a inquieta brisa da voz,
para esses ninhos contorcidos do pensamento.

E a alma?

É triste ver-se que de repente se imobiliza
esse sistema de enigmas,
de inexplicado exercício,
antes de termos encontrado a alma.

Pela alma choramos.
Procuramos a alma.
Queríamos alma.

(Cecília Meireles)


Depois

Foto: Alentejo - Luis Reininho

Depois

A Carlos Drummond de Andrade

Depois da confidência
me retirei da tarde.
O céu ficou vazio

vazio

onde era vôo de pássaros
(os pássaros estavam quietos).
Uma febre roía meus ouvidos:
voltei mais velha (exilada)
com um toque de infância entre meus dedos,
reserva de sal dentro dos olhos.

(Olga Savary)

Aula de desenho


Estou lá onde me invento e me faço:
De giz é meu traço. De aço, o papel.
Esboço uma face à régua e compasso:
É falsa. Desfaço o que fiz.
Retraço o retrato. Evoco o abstrato
Faço da sombra minha raiz.
Farta de mim, afasto-me
e constato: na arte ou na vida,
em carne, osso, lápis ou giz
onde estou não é sempre
e o que sou é por um triz.

(Maria Esther Maciel)

Mas será que não somos todos por um triz??? ;)

 

 Amanhã fico triste... amanhã!
Hoje não... hoje fico alegre!
E todos os dias,
por mais amargos que sejam, digo:
Amanhã fico triste, hoje não...!

Poema encontrado em língua yiddish, na parede de um dos dormitórios de crianças do Campo de Extermínio Nazista de Auschwitz, de autor desconhecido.
Retirado do Campo de Orquídeas da amiga Karla!